Educadores constroem agenda para promover avanços de aprendizagem de Língua Portuguesa e Matemática

Em uma escola do Ensino Fundamental, as taxas de aprovação no 4º ano vêm diminuindo ano após ano, com um número crescente de estudantes sendo retidos. Em outra unidade escolar, desta vez do Ensino Médio, o professor de física do 3º ano reparou que a turma tinha dificuldades para calcular a área de figuras planas, como quadrados e triângulos.  Como os coordenadores pedagógicos podem ajudar a resolver situações como essas?
 
A pergunta vem guiando os encontros do Plano de Formação Continuada Territorial, promovido pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia por meio do Instituto Anísio Teixeira (IAT).  Coordenadores de todo o estado estão construindo coletivamente agendas com planos de intervenção a partir de reflexões sobre a prática pedagógica de formação de leitores e a didática do ensino da matemática para desenvolver as habilidades em Geometria. 
 
Os formadores planejaram essas reuniões com o apoio dos consultores do Instituto Vera Cruz (IVC), que desde junho de 2020 fortalecem os conhecimentos didáticos nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática dos profissionais que estão à frente do Plano de Formação Continuada. 
 
Nos encontros do NTE 17 (Semiárido Nordeste II), em meados de agosto, os coordenadores se debruçaram primeiro sobre a situação-problema de Língua Portuguesa. Juntos, eles desenharam algumas estratégias de intervenção, como a mobilização para a escuta dos professores envolvidos, a formação de grupos de trabalho com reforço escolar focado na prática de leitura, o desenvolvimento de projetos explorando diversos gêneros textuais de forma lúdica e a construção de uma agenda de reuniões com a família. 
 
O coordenador Wilson Moreira lembrou que a aproximação com as famílias é importante em todos os casos - para os estudantes que estão com mais dificuldades e também para aqueles com melhor desempenho. "Na nossa escola, a gente conseguiu concluir a demanda de ligar para os alunos que necessitavam mais e aí a gente achou viável fazer a ligação também para aqueles que se destacaram. Lembro que telefonei para uma estudante, a mãe atendeu e ela já foi logo perguntando: 'O que minha filha aprontou?' Comecei a fazer elogios para a menina, agradecer por seu empenho, e depois essa mãe me contou chorando que ninguém nunca tinha feito isso... Que ela via o quanto a filha era esforçada, mas ninguém nunca tinha reconhecido. Isso ficou marcado pra mim". 
 
A formadora Elisa Ribeiro utilizou o episódio para ilustrar a importância de incluir a rotina escolar na rotina familiar e também para mostrar que as escolas precisam estar atentas a todas as práticas, para que descubram por que umas funcionam e outras não. 
 
Depois da construção coletiva da agenda do coordenador, com ações que podem ser adaptadas de acordo com a realidade de cada lugar, Elisa trouxe um pequeno histórico de como a leitura foi tratada no Brasil. Ela lembrou que até a década de 1950, ler era conhecer o alfabeto. Só depois, ler passou a ser cada vez mais sinônimo de compreender, embora até hoje seja comum que a alfabetização ocorra de um modo linear, a partir das letras, sílabas, palavras e frases. "Mais importante do que ler as palavras, é entender o contexto. A leitura é um conteúdo a ser ensinado nas escolas como uma prática social", defendeu. 
 
Ensino "coletivizado"
 
Na reunião seguinte da turma, os educadores concentraram-se sobre o problema de matemática - aquele dos estudantes com dificuldades para calcular a área de figuras planas, lembra?
 
A coordenadora Joany Ribeiro sugeriu que os professores de matemática sejam chamados a colaborar com a área das ciências da natureza nos ACs, como costuma acontecer na escola onde trabalha. "Nós também fazemos muitas atividades práticas de geometria com os estudantes, muitos simulados".  
 
Elisa reforçou a necessidade de que a matemática seja "coletivizada" nas escolas como uma responsabilidade de todos os professores e que as dificuldades também sejam levadas para os monitores e líderes das turmas, incluindo os estudantes no processo. A formadora também fez um histórico de como a geometria é ensinada nas escolas e lembrou que até bem pouco tempo o assunto costumava estar nas últimas páginas dos livros didáticos. "Parte dos professores se acostumou com essa ideia de que geometria é o trabalho final. As obras mais recentes estão distribuindo a geometria em vários capítulos, mas um certo abandono permanece, daí o baixo índice dos estudantes nas avaliações nacionais. A gente precisa mudar isso". 
 
Para Maria Josivanea Alves, coordenadora pedagógica em uma escola da zona rural de Fátima, os encontros foram "maravilhosos, com reflexões muito produtivas". A situação hipotética trabalhada em Língua Portuguesa era muito parecida com a realidade da sua própria escola. Por lá eles perceberam um déficit na formação leitora por muitos alunos não serem alfabetizados até o 4° ano.
 
"A gente percebeu que antes de adentrar os conteúdos indicados, é preciso fazer uma reformulação com foco nos alunos não alfabetizados, em parceria com os alunos âncoras da sala, para ajudar nesse processo", conta. A reunião da formação continuada ampliou ainda mais essa visão. 
 
O encontro sobre didática da matemática também fez com que Josivanea repensasse suas práticas. "Preciso levar meus professores a discutirmos possibilidades de adentrar na geometria desde cedo, tendo em vista que de acordo com a BNCC [Base Nacional Comum Curricular], ela está presente desde o princípio, e em todas as unidades. E também levá-los a refletir que na matemática é preciso trabalhar leitura, interpretação, buscando realmente a integração a projetos e outras práticas pertinentes". 
 
Sequências didáticas e indicadores
 
No NTE 4 (Território do Sisal), um encontro de avizinhamento - destes que trazem turmas de mais de um formador e, em alguns momentos, de mais de um NTE - reuniu educadores das formadoras Luciete dos Santos Oliveira e Rejane do Carmo Ramos para tratar também sobre a didática na matemática. A reunião contou com o compartilhamento das experiências da educadora e especialista em método do ensino da matemática Karyne Santiago. Coordenadora atuante na rede estadual, Karyne falou sobre a priorização curricular considerando o contexto pandêmico como uma necessidade a ser tratada com cautela. “É importante considerar os objetos de conhecimento essenciais para os estudantes, especialmente as habilidades que serão base para os conteúdos dos anos seguintes”. 
 
Para os colegas, trouxe a importância de se trabalhar com o planejamento reverso e apresentou um mapa mostrando a progressão das habilidades focais por unidade temática, uma forma de situar o coordenador nos conteúdos e habilidades presentes e interligados ano a ano. “Um exemplo é o dos problemas de princípio multiplicativo que é conteúdo do 8º ano, essencial para compreender a análise combinatória, tema tratado no 2º ano do Ensino Médio. É necessário fazer a análise dos conteúdos e habilidades com os professores, observando os que não estão sendo incluídos nas aulas para, a partir disso, fazer as intervenções cabíveis para não correr o risco de formar estudantes sem conhecer as habilidades essenciais. Ao chegar no Ensino Médio, precisamos retomar as habilidades que o estudante não absorveu nas séries anteriores.”
 
Estes encontros formativos estão sendo desenvolvidos de forma a “ajudar os coordenadores a encontrar possibilidades dentro da didática da matemática''. Estas palavras são do formador José Augusto Luz, que participou ao lado de Ivana Sacramento e Marcio Vila Flor de outro encontro de avizinhamento, desta vez no NTE 18 (Litoral Norte e Agreste Baiano) com os educadores participantes das suas três turmas. O formador apresentou diversos conceitos para contribuir na construção de sequências didáticas que, associadas ao projeto político pedagógico (PPP) e ao currículo da escola, possam contemplar as diversas realidades dos estudantes.
 
Perceber esta heterogeneidade de saberes, explica, é muito importante, especialmente nesta área do conhecimento que por muito tempo foi distanciada da realidade do aluno. “Essa percepção é essencial, tem a ver com o que é importante para o outro. Precisamos selecionar não só os conteúdos, mas os caminhos e etapas para execução desses conteúdos. Perceber este caminho faz parte da sequência didática. Há uma necessidade de articular esse conhecimento com a realidade do aluno. A matemática foi vista historicamente como algo abstrato, distante do cotidiano, mas se a gente enxergasse essa matemática no cotidiano, fazendo parte da nossa realidade, seria mais fácil entender as teorias. Com a geometria isso é muito forte: forma, espaço, localização e uma série de elementos.”
 
Presente à reunião, a educadora Margareth Araújo contou que, para ela, desde o tempo de estudante, a interpretação e a lógica eram fáceis, mas nunca gostou de cálculos complexos e fórmulas. A partir de sua fala, o formador Marcio Vila Flor convidou a todos a pensar o porquê de muitas pessoas terem essa opinião. “O que isso nos faz refletir sobre o ensino da matemática? Gerações e gerações pagam o preço de a matemática ter sido ensinada de forma distante”, acrescentou. 
 
Além de contextualizar o que é ensinado, a valorização das estratégias usadas pelo aluno na resolução de problemas também é muito importante. “É preciso dar oportunidade do sujeito se aventurar, construir hipóteses. Na sequência didática, é importante desafiar, o aluno precisa se sentir pesquisador, construtor de possibilidades”, defende Marcio. A educadora Thais Menandra de Matos concorda: “O ponto chave no ensino da matemática é explorar o erro no sentido do acerto. Não existe erro na matemática. Ensinar matemática na contextualização é muito importante para redimensionar este ensino.” 
Por fim, Marcio completou que é importante olhar os indicadores do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) junto aos indicadores reais. “Quem são os sujeitos, quais são suas dificuldades, que conteúdo acessaram, o que têm em mãos de material didático concreto, quais as condições do professor na escola, por exemplo.” Ele conta que recebeu a Prova SAEB e constatou que álgebra e geometria estão presentes em toda a prova. “Olhei para os meninos e meninas pensando em que decisões precisamos tomar sobre o que é preciso ensinar agora nas próximas unidades, entre setembro e dezembro. O que posso eleger como formativo tem a ver com expectativas de aprendizagens e o que é possível no momento”. 
 
Sobre o Plano de Formação Continuada Territorial 
A Secretaria da Educação do Estado da Bahia, por meio do Instituto Anísio Teixeira realiza a Formação Continuada para Gestores Escolares, Coordenadores Pedagógicos das redes municipais e Estadual, além das Equipes Técnicas das Secretarias Municipais de Educação e dos Núcleos Territoriais de Educação (NTE). A ação, que conta com o apoio da União dos Municípios da Bahia (UPB), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e parceria do Itaú Social, tem foco nos profissionais que atuam nos períodos do 6º ao 9º ano e no Ensino Médio. Por conta da pandemia do Coronavírus, a formação acontece em ambiente virtual, reunindo mais de 9 mil educadores e técnicos de 414 municípios dos 27 Territórios de Identidade da Bahia.

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